EDUCAR, O CAMINHO

 


A educação é o melhor - talvez o único caminho - para que no futuro o nosso ambiente natural seja melhor preservado.

Esta é a mensagem do vice-presidente da Associação Comunitária de Imbé-Braço Morto, Álvaro Nicotti, no artigo abaixo:


Educação, natureza e o litoral norte gaúcho: Existem outras possibilidades

Por Álvaro Nicotti*

Colaboração de Ana Caroline Acosta**

Muitos professores do ensino médio, ao serem perguntados sobre o que seu estudante mais gosta de fazer, provavelmente a resposta será estar lá fora no pátio. Comigo não é diferente. É visível a inquietação de muitos estudantes, ao qual acompanho, para estarem ao ar livre. Mas qual a verdadeira razão disso? Existe uma explicação? É só coisa de adolescente? Como eu me sentia quando era adolescente e estava na escola?

Respondo a última pergunta: queria muito estar ao ar livre, pois me sentia emparedado em sala de aula. Emparedado no sentido de estar somente eu, outros humanos e somente humanos dentro de uma sala, envolta de concreto ouvindo coisas que para mim, naquela época, não faziam muito sentido.

E realmente se pararmos para pensar, veremos que desde o início da nossa trajetória escolar, estamos emparedados em salas de aulas, convivendo apenas com nossa espécie e tão somente ela. Não há praticamente nenhum outro ser vivo dentro de sala de aula para interagir conosco. De forma geral, são educadores a frente, escrevendo em lousas, distribuindo folhas impressas e alunos, enfileirados, vendo a nuca uns dos outros, recebendo informações e comandos. E quais são as consequências disso? Distanciamento da natureza e, possivelmente, um lento adoecimento social, pessoal e natural, tanto por parte dos estudantes como por parte de nós, professores e professoras.

Vamos falar bem a real? Se perguntado pra qualquer criança ou adolescente, o legal, divertido e bacana, é a educação física e o recreio. Fora disso, chatice total. É o lado de fora, o pátio, que estão encontrando possibilidades.

No livro da educadora e ambientalista Léa Tiriba, intitulado Educação Infantil como Direito e Alegria- Educação libertária e ecológica, ela traz esta problemática no debate do desemparedamento das infâncias, defendendo que desde pequeno as crianças convivam, brinquem e aprendam cada vez mais ao ar livre na natureza. Desta forma, ela diz que a infância está fechada entre muros, desarticulada dos cenários onde ocorre a vida de verdade, indiferente, insensível ou artificial na relação com o que, de fato, mobiliza e tem significado. Além disso, segundo Léa, este cenário de emparedamendo das infâncias, é inadequada a saúde do corpo, à relação dos humanos com o mundo natural, ao desfrute do vento, do sol, este elemento vital, cuja energia assegura a vida de cada ser da Terra.

Na visão de Tiriba, correto seria afirmar que essa angústia de muitos jovens para estarem na rua pode estar relacionada a falta de convívio com o mundo real, o mundo natural, ou seja, a natureza ao qual nós, humanos, fazemos parte.  Assim, proponho aqui fazermos uma breve análise dos seis direitos de aprendizagens da educação infantil, proposta pela BNCC (Base Nacional Curricular Comum), e dialogar com a questão do desemparedamento das infâncias, relacionada a perspectiva de um futuro melhor para a região do litoral norte do Rio Grande do Sul.

Os direitos das infâncias

Segundo a BNCC, as crianças, no âmbito da educação formal, possuem 6 direitos: conviver, brincar, participar, conhecer-se, expressar e explorar. Mais especificamente, podemos transcrever da seguinte forma:

conviver com outras crianças ampliando o conhecimento de si e do outro, o respeito em relação à cultura e às diferenças entre as pessoas;

brincar de diversas formas, em diferentes espaços e tempos em vista o estímulo ao desenvolvimento de seus conhecimentos, experiências emocionais;

participar ativamente, com adultos e outras crianças das atividades da vida cotidiana desenvolvendo diferentes linguagens;

conhecer-se, construir sua identidade pessoal, social e cultural; 

expressar suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões e questionamentos.

explorar formas, texturas, objetos, elementos da natureza, na escola ou fora dela, ampliando seus saberes.

Sobre esses direitos trazidos pela BNCC, volte para o mesmo texto e procure a palavra natureza em alguns desses direitos. Com certeza você deve ter visto a palavra natureza apenas no direito denominado explorar. Pois é somente neste direito que a palavra natureza está. Isso significa que desde pequenos, em salas cercadas por muros de concretos, onde apenas nossa espécie encontra-se estão nos ensinando que a natureza deve ser única e exclusivamente explorada. É bem verdade que não se pode afirmar que a elaboração dos direitos da infância tenha sido de má fé para com a natureza, mas, de fato, ela está apenas como instrumento de aprendizagem a ser explorado.

Por isso, se faz necessário colocar a natureza no brincar, no conviver, no participar, no conhecer-se e no expressar. É importantíssimo, se quisermos vislumbrar um mundo mais justo, com pessoas mais saudáveis e numa sociedade mais igual e de convívio pacífico com o planeta, a implementação de novas pedagogias e novos espaços formais e não formais de educação.

A educação, a natureza e o desenvolvimento do litoral norte

Para fechar este texto, faço uma conexão do que foi escrito até agora, com o desenvolvimento da região do litoral norte do Rio Grande do Sul. E o que se disse até aqui foi que muitos jovens do ensino médio gostam mais é de ficar na rua do que em sala de aula; de que a palavra natureza está presente apenas em um dos sei direitos a educação infantil, que é o direito a explorar e que faz muito tempo que somos  criados e educados afastados da natureza e das outras espécies que convivem conosco.

O litoral norte do RS, de acordo com o Censo 2022, foi a região que mais cresceu no estado, superando a média nacional de 6% e a estadual de 10%, chegando ao surpreendente número de 25%. Consequentemente, este crescimento gerou o necessário debate sobre o desenvolvimento da região, colocando de forma antagônica dois modelos: o do progresso e o do desenvolvimento sustentável.

Por parte da administração local dos municípios e endossada pela esfera estadual, estão em curso projetos de construções de grande impacto na região, como uma nova ponte que atravessa o rio Tramandaí, nos municípios de Imbé e Tramandaí, o porto marítimo em Arroio do Sal e o as altas edificações ao longo das cidades do litoral, dito pelos seu idealizadores como fundamental para o progresso do litoral. Por outro lado, existe resistência e contrapropostas a esta ideia de desenvolvimento, alegando que estas obras não possuem estudos detalhados de impactos ambientais, muito menos se fez um debate com a sociedade se esses projetos são realmente a melhor alternativa de se desenvolver a região.

Na condição de professor engajado no debate de desenvolvimento da região, propus um trabalho na escola onde leciono, em Capão da Canoa, acerca destes projetos apresentados para o litoral norte do RS. O que mais me surpreendeu é que a maioria dos estudantes não sabiam da existência destes projetos. Dos que sabiam, muitos apoiavam, mesmo sabendo da inexistência de estudos de impacto ambiental. Será que isso tem a ver com o distanciamento nosso da natureza?

Se desde pequeno somos ensinados que a natureza deve ser explorada e que os animais que convivemos são, na sua maioria, seres humanos, como podemos ver a natureza e o meio ambiente de uma outra forma? Como posso amar e cuidar dela? Afinal, Tiriba vai dizer que só é possível preservar aquilo que amo, e só é possível amar aquilo com que me relaciono de concreto. Ou seja, estamos nos direcionando a amar, literalmente, o concreto.

Mas então, existe esperança? Sim, existe esperança.  Vamos começar a mostrar e a dizer para as crianças que elas estão sendo sacaneadas. Estão sendo maltratadas por um sistema que não deu certo, ao menos na minha visão, e na de Alberto Costa, autor do livro O Bem Viver, quando diz que:

Devemos questionar o conceito de progresso, que emergiu com força há uns quinhentos anos na Europa. O mundo precisa de mudanças profundas, radicais. Urge superar as visões simplistas que transformaram o economicismo em eixo da sociedade. Outro mundo será possível se for pensado e erguido democraticamente, com os pés fincados nos direitos humanos e nos direitos da natureza.

Crianças e jovens, vocês estão sendo sacaneados! Existem outras possibilidades!

*Pesquisador, professor da rede pública do RS e mestre em Dinâmicas Regionais, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

**Educadora, quintaleira e mãe do Francisco

Comentários

  1. Excelente texto do professor Álvaro, que realmente mostra a importãncia de um professor preocupado coma educação e que exige que ele seja objetivo de criar um ambiente de aprendizado onde os alunos não sejam apenas espectadores, mas participantes ativos na construção do próprio conhecimento.
    Algumas dicas:

    • Expor o conteúdo com apresentações dinâmicas e divertidas: Isso pode ajudar a tornar o conteúdo mais interessante e envolvente para os alunos.
    • Utilizar vídeos para complementar e enriquecer as aulas: Os vídeos podem ser uma ótima maneira de ilustrar conceitos complexos de uma maneira fácil de entender.
    • Levar os alunos para fora da sala de aula: Isso pode proporcionar aos alunos experiências práticas que podem ajudá-los a entender melhor o conteúdo.
    • Incentivar a participação dos alunos: Isso pode ajudar os alunos a se sentirem mais envolvidos no processo de aprendizagem.
    • Conectar o conteúdo com as experiências de vida dos alunos.
    • Usar músicas e filmes como recursos educacionais.

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  2. O post me lembrou de um professor de geografia do Colégio Estadual Julio de Castilhos, de Porto Alegre, onde concluí o segundo grau, nos anos 70. Ele levou a nossa turma para uma aula prática: fomos até o sopé do morro da Polícia e subimos de um lado (junto ao hospital Divina Providência)e descemos pelo outro. Ele mostrava os diferentes tipos de vegetação e de solo, para vermos na natureza o que havíamos estudado na sala de aula. O "Julinho" era, na época, um colégio-padrão. Estudar lá era um privilégio.

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    1. fica a sugestão aos professores do Litoral: que tal um passeio de barco com os alunos pelas lagoas, mostrando a importância da preservação de suas águas e os danos causados pela poluição?

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  3. Como aluno ga Escola de Engenharia (hoje UFRGS), os professores nos levavam para conhecer os marcos geodésico no topo do morro da polícia, visitar a construção da ponte sobre o rio Guaíba, a construção da Hidroelétrica de Três Marias, etc. ... Já como professor da UFRGS, na disciplina de Cálculo Infinetesimal, os exemplos de Máximos e Mínimos eram de assuntos possíveis de ocorrer, como por exemplo: Um aluno, já formado engenheiro cicil, viajando pela rodovia Belem-Brasília de ônibus, encontram uma ponte levada por efeitos climáticos que havia ocorrido. Descobrem que um dos passageiros era um engenheiro civil e pedem uma solução para ele. Vendo existir uma serraria à margem do rio, para criar uma ponte provisória para continuarem a viagem, vão na serraria e necessitam serrar troncos de árvores, tirando secções retangulares destes troncos. Mas quais seriam a base e a altura destas vigas de secção retangular, que entre as infinitas possíveis, qual seria a única que apresenta a maior resistência? Este será o assunto de nossa aula de hoje! Os alunos sentiam-se motivados e muito interessados! E desta forma conseguia tornar o Cálculo Infinitesimal uma disciplina importante, através de exemplos como o que foi relatado.

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