CONTAMINAÇÃO DAS LAGOAS: UMA RESPOSTA À FEPAM
Apesar de ser uma instituição voltada para a defesa ambiental e ostentar em seu nome uma homenagem a um dos mais importantes ecologistas gaúchos, a Fundação Estadual Ambiental Henrique Luis Roessler tem afrouxado cada vez mais suas exigências a projetos com riscos evidentes de poluição.
Um exemplo recente é a licença para que a Corsan/Aegea jogue os efluentes de suas estações de tratamento de esgoto cloacal de Xangrilá e Capão da Canoa no rio Tramandaí - e dali ao sistema lagunar do litoral norte gaúcho, através de uma tubulação de 21 quilômetros.
Athos Stern, engenheiro, professor aposentado da Ufrgs, ex-presidente e consultor da Associação Comunitária de Imbé-Braço Morto, analisou as justificativas da Fepam e contesta no artigo abaixo os argumentos apresentados.
A IMPORTÂNCIA DAS ÁGUAS DO RIO TRAMANDAÍ
A terra, o ar e os ecossistemas aquáticos, como lagoas, rios e mar, ainda são abundantes no litoral norte do Rio Grande do Sul. Esses recursos são fundamentais para os povos originários e para as comunidades tradicionais, como quilombolas, pescadores artesanais, agricultores e pecuaristas familiares, artesãos, ribeirinhos e marisqueiros. Toda a biodiversidade, incluindo animais e plantas, está presente até a foz do rio Tramandaí, abrangendo 17 municípios, onde ocorrem, entre outras atividades relevantes, a dessedentação de animais, o consumo humano e a pesca colaborativa.
Questões levantadas pela comunidade do litoral norte:
Ausência de: (a) Audiência pública para informar a comunidade atingida; (b) Consulta aos povos indígenas, às comunidades tradicionais afetadas e às populações ribeirinhas; (c) Estudo de Impacto Ambiental (EIA), conforme o art. 10 da Lei 6.938/1981.
SÍNTESE PROCESSUAL
Trata-se de Ação Civil Pública por meio da qual o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual suscitam a nulidade e/ou suspensão da Licença Prévia e de Instalação para Alteração – LPIA n°408/2023, pela qual a FEPAM autorizou a CORSAN a instalar Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), com lançamento previsto no “Ponto 3” do Rio Tramandaí, situado no município de Osório.
O que diz a FEPAM em sua defesa:
Contestações:
1. O empreendimento foi objeto de um longo estudo e discussão visando a solucionar o problema do esgotamento sanitário no litoral norte riograndense.
Resposta:
Análise dos problemas antecedentes do esgotamento sanitário no litoral norte riograndense.
o O que foi encontrado no efluente final da ETE de Osório? Estudo do Departamento de Meio Ambiente de Santo Antônio da Patrulha divulga nota sobre a situação da Lagoa dos Barros e alerta sobre os riscos de contato, seja através do acesso direto à água ou do consumo de peixes obtidos na Lagoa. Entre os sintomas provocados pela inalação, estão rinite e conjuntivite, diarreia e náuseas.
o O que está acontecendo com a nossa Lagoa dos Barros? Após análise laboratorial das águas da Lagoa dos Barros, realizada no Museu de Ciências Naturais da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul (MCN-SEMA-RS), pela Dra. Vera Regina Werner, foi constatado que as manchas esverdeadas e azuladas na superfície da água e nas margens da Lagoa dos Barros são causadas pela multiplicação excessiva de uma cianobactéria denominada Dolichospermum planctonicum. A utilização de águas contaminadas por toxinas produzidas por cianobactérias pode ser a causa da mortandade de peixes e de outros animais, assim como de surtos de doenças agudas e crônicas.
o Mas qual a origem da floração das cianobactérias na Lagoa dos Barros? Há indícios de que, após o início da operação da Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) de Osório, operada pela CORSAN, surgiram condições para a ocorrência deste evento de floração das águas observado nos últimos dias. Em primeiro lugar, porque a ETE está lançando seus efluentes desde dezembro de 2018 fora dos padrões estabelecidos no estudo de capacidade da Lagoa dos Barros. Este estudo foi elaborado pela Fundação Luiz Englert, através do Centro de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no ano de 2015, e propôs que a Lagoa dos Barros teria capacidade de receber o efluente tratado com limite de fósforo a 0,5 mg/L, parâmetro ratificado em sentença judicial que autorizou a operação da ETE. No entanto, os lançamentos têm sido superiores a este valor desde o início da operação da ETE. Além disso, fósforo e nitrogênio são nutrientes altamente presentes em efluentes de esgoto.
o O que está sendo feito? Após a identificação da floração desta cianobactéria potencialmente tóxica, o Departamento do Meio Ambiente de Santo Antônio da Patrulha (DMA) e a Procuradoria Geral do Município (PGM) encaminharam comunicados aos órgãos responsáveis – Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (FEPAM) e Ministério Público do Rio Grande do Sul –, recomendando a imediata suspensão da operação da ETE, baseado principalmente no princípio da precaução.
o O que acontecia em 02/10/2021 em Xangri-lá? Não será necessário descrever, basta assistir ao Link: https://www.facebook.com/
o O que acontece na ETE de Tramandaí? Sobre a ETE de Tramandaí, não se tem informações que demonstrem as condições em que o efluente final do tratamento é lançado nas lagoas de infiltração.
o O que acontece com a ETE de Cidreira? A ETE de Cidreira não funciona normalmente e tem problemas há anos.
o Existirão novas ETEs no Litoral Norte? Como 17 municípios do Litoral Norte são abastecidos pelas águas da bacia hidrográfica do Rio Tramandaí, certamente adotarão o princípio de lançarem seus efluentes finais no Rio Tramandaí, como todos pretendem fazer, orientados pela CORSAN/AEGEA. Dentro de poucos meses teremos a conclusão da ETE de Imbé, que também lançará seu efluente final no Rio Tramandaí, no ponto (P4) já licenciado.
o É possível confiar na solução de todos os problemas vistos e a ocorrer? A solução prevista será através da CORSAN/AEGEA, enquanto a FEPAM afirma que são garantia de meio ambiente limpo, sadio e equilibrado, onde os dejetos gerados pela população recebem tratamento centralizado e disposição final adequada, dentro dos preceitos legais. No entanto, não há precedentes para confiar, basta reler os itens acima!
Qual a posição da FEPAM em relação a Ação Civil Pública que segundo ela não se fundamenta em uma convicção firme e concreta de se estar diante de dano ambiental, mas sim numa mera dúvida, incerteza ou imprecisão que teria sido apurada em relação aos modelos hidrodinâmicos, o que teria reduzido a confiabilidade nos prognósticos apresentados.
Resposta:
Quando há a possibilidade de um dano ambiental significativo, mesmo que existem dúvidas, incertezas ou imprecisões, a abordagem mais prudente é seguir o princípio da precaução. Este princípio, amplamente aceito no direito ambiental, orienta que, em situações de incerteza científica, medidas devem ser adotadas para prevenir possíveis danos ambientais graves ou irreversíveis, mesmo na ausência de certeza científica absoluta sobre a ocorrência desses danos.
A justiça geralmente considera o seguinte ao aplicar o princípio da precaução:
o Avaliação de Riscos: Avaliar todos os riscos potenciais, mesmo que haja incerteza, e considerar os piores cenários possíveis.
o Precaução: Adotar medidas preventivas para evitar o dano ambiental, que pode incluir a suspensão temporária de atividades até que estudos mais conclusivos sejam realizados.
o Responsabilidade: Imputar a responsabilidade aos empreendedores para provar que suas atividades não causarão danos ambientais significativos.
o Consulta e Participação: Garantir que as comunidades afetadas, incluindo povos indígenas e tradicionais, sejam consultadas e participem do processo de tomada de decisão.
No contexto da justiça, se um dano ambiental se concretiza devido à falta de ação preventiva em face da incerteza, as consequências legais podem ser severas. As empresas ou entidades responsáveis podem enfrentar multas, processos judiciais, obrigações de reparação ambiental, entre outras penalidades.
Adotar uma abordagem prudente e participativa, buscando minimizar riscos e envolver todas as partes interessadas, é essencial para proteger o meio ambiente e garantir a sustentabilidade dos recursos naturais para as futuras gerações.
3. A realidade atual não pode ser mantida ou reproduzida, correndo o risco de inviabilizar o crescimento dos municípios.
Resposta:
A afirmação de que a realidade atual não pode ser mantida ou reproduzida, correndo o risco de inviabilizar o crescimento dos municípios, é vaga e não oferece justificativa concreta diante de dúvidas, incertezas ou imprecisões sobre possíveis danos ambientais.
Para justificar a continuidade de um empreendimento diante de incertezas, é fundamental apresentar argumentos sólidos e embasados, como:
Estudos e Dados Confiáveis: Mostrar evidências claras e concretas, baseadas em estudos científicos rigorosos, que demonstrem que os riscos ambientais são mínimos ou controláveis.
o Medidas Mitigadoras: Propor medidas específicas e eficazes para mitigar quaisquer potenciais impactos negativos, garantindo a proteção do meio ambiente e da saúde pública.
o Transparência e Participação: Promover a transparência nas decisões e envolver a comunidade e as partes interessadas no processo, garantindo que todas as vozes sejam ouvidas e que haja consenso sobre a melhor abordagem.
o Planos de Contingência: Ter planos de contingência bem definidos para lidar com possíveis problemas, assegurando que, caso ocorra algum dano, ele possa ser rapidamente controlado e remediado.
Sem esses elementos, a afirmação sobre a inviabilidade do crescimento dos municípios se torna insustentável e não proporciona a segurança necessária para a tomada de decisão responsável e consciente.
4. A carência de saneamento básico leva à contaminação de ambientes, à proliferação de doenças, à sobrecarga do sistema de saúde pública e até mesmo à morte de pessoas e animais. Resposta: Concordamos totalmente com esta afirmação inteligente.
Outros pontos relevantes:
- A preocupação apontada pela perícia do MPF tem absoluta razão.
- Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) será exigido!
- Não Participação Popular
- Não à Consulta aos Povos Indígenas
Sobre a participação popular
A participação popular é crucial no processo de licenciamento ambiental e no lançamento de efluentes de Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) por várias razões importantes:
o Transparência e Responsabilidade: A participação da comunidade garante transparência no processo de tomada de decisões e responsabiliza as autoridades e empresas envolvidas. Quando a população está engajada, é menos provável que decisões sejam tomadas sem a devida consideração aos impactos ambientais e sociais.
o Identificação de Impactos Locais: Os moradores locais possuem um conhecimento detalhado sobre a área e podem fornecer informações valiosas sobre os impactos ambientais, sociais e econômicos que podem não ser identificados por consultores externos ou autoridades. Isso inclui questões como qualidade da água, saúde pública e impactos na biodiversidade local.
o Defesa dos Direitos das Comunidades: A participação popular permite que as comunidades afetadas defendam seus direitos e interesses, especialmente povos indígenas e tradicionais que dependem diretamente dos recursos naturais. Isso garante que suas vozes sejam ouvidas e consideradas nas decisões que afetam seus meios de subsistência e cultura.
o Fortalecimento da Democracia: A participação popular fortalece a democracia, promovendo a inclusão e o diálogo entre diferentes setores da sociedade. Isso resulta em decisões mais justas e equilibradas, que consideram o bem-estar de todos os envolvidos.
o Prevenção de Conflitos: A inclusão da comunidade desde o início do processo de licenciamento ajuda a prevenir conflitos futuros. Quando a população sente que suas preocupações são levadas a sério, há uma maior aceitação e cooperação com os projetos desenvolvidos.
o Promover Soluções Sustentáveis: A participação popular contribui para a busca de soluções sustentáveis que equilibram o desenvolvimento econômico com a proteção ambiental. As comunidades podem ajudar a identificar alternativas mais ecológicas e eficazes para o tratamento de efluentes.
Em resumo, a participação popular é essencial para garantir que o lançamento de efluentes de ETEs seja feito de maneira responsável, transparente e sustentável, protegendo o meio ambiente e as comunidades locais.
Deve-se examinar as seguintes terras indígenas próximas da bacia hidrográfica do rio Tramandaí:
- Capivari: Tekoa Arasate
- Osório: Tekoa Kuaray Rexë
- Maquiné: Tekoa Nhu'u Porã, Tekoa Pakovaty, Tekoa Guyra Nhendu
- Palmares do Sul: Tekoa Yryapu, Tekoa Araçaty, Tekoa Ka'a Mirindy Yy Pa'ü
Sobre os Quilombolas
Deve-se examinar as seguintes áreas ocupadas por Quilombolas próximas da bacia hidrográfica do rio Tramandaí:
As comunidades quilombolas próximas à bacia hidrográfica do rio Tramandaí incluem:
o Capivari: Comunidade Quilombola Capivari
o Osório: Comunidade Quilombola Osório
o Maquiné: Comunidade Quilombola Maquiné
o Palmares do Sul: Comunidade Quilombola Palmares do Sul
Essas comunidades são parte integrante da diversidade cultural e ambiental da região e desempenham um papel importante na preservação dos recursos naturais e na manutenção das tradições culturais.
Obs.: O ponto de lançamento PT3 não é a referência para uso da água, a referência são as águas poluídas! A referência pela FEPAM sobre a terra ocupada por Quilombolas é desprovida de interesse, trata-se de uma resposta vazia sem nenhum valor. Essas terras estão localizadas na região da bacia hidrográfica do rio Tramandaí e são parte importante da diversidade cultural e ambiental da área e utilizam as águas do rio Tramandaí.
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