UM PORTO AMEAÇA O LITORAL NORTE
A área destinada ao Porto Meridional, em Arroio do Sal, se tornou de utilidade pública, por decreto assinado pelo governador Eduardo Leite na terça-feira passada, dia 27 de maio.
É inaceitável, para a população da região, que uma obra como esta, com consequências graves para a sua qualidade de vida, tenha recebido esta benesse do governo.
O projeto, caso concretizado, poderá causar sérios danos ambientais em toda a faixa costeira da região, impactando diretamente os ecossistemas e comunidades dos municípios de Torres, Capão da Canoa, Imbé, Tramandaí, Cidreira e Xangri-Lá.
A Associação Comunitária de Imbé-Braço Morto, o Movimento de Defesa do Litoral Norte e todas as entidades dedicadas à defesa ambiental do Rio Grande do Sul não podem se omitir diante deste projeto tocado apenas nas possibilidades de lucros de seus beneficiários.
Análise Técnica dos Impactos Ambientais Decorrentes da Implantação do Porto Meridional em Arroio do Sal/RS
Athos Stern
Engenheiro, professor aposentado da Ufrgs
ex-presidente da Associação Comuninária de Imbé-Braço Morto
A construção do Porto Meridional no município de Arroio do Sal, considerada a maior obra de infraestrutura logística da história do Rio Grande do Sul, com investimento estimado em R$ 6 bilhões e capacidade para movimentar 53 milhões de toneladas por ano, levanta sérias preocupações ambientais, técnicas e sociais. Embora os defensores do projeto enalteçam seus potenciais econômicos e a geração de empregos, os impactos ecológicos e os riscos à saúde pública e à sustentabilidade da região são profundos e duradouros.
1. Impactos Diretos ao Meio Ambiente Local
A região de Arroio do Sal, especialmente nos entornos da Lagoa de Itapeva e do litoral norte gaúcho, já apresenta sinais significativos de fragilidade ambiental. Estudos recentes indicam que o município sofre com:
- Contaminação de corpos d’água por efluentes líquidos devido à ocupação urbana desordenada e à carência de infraestrutura sanitária adequada.
- Alterações na morfologia da Lagoa de Itapeva, causadas por sedimentação acelerada, erosão costeira e mudanças hidrodinâmicas.
- Destruição de habitats naturais, como áreas de restinga e vegetação nativa, impactando a biodiversidade local.
A construção de uma ponte sobre a Lagoa de Itapeva, prevista para integrar a BR-101 ao porto, tende a intensificar esses problemas, resultando em:
- Maior sedimentação e turbidez da água.
- Alterações nas correntes naturais e na oxigenação da lagoa.
- Supressão de vegetação sensível, com impactos diretos à fauna aquática e terrestre.
2. Poluição Atmosférica, Sonora e do Solo
A operação do porto e o tráfego intenso de veículos pesados e navios acarretarão:
- Emissão de poluentes atmosféricos como dióxido de enxofre (SO₂), óxidos de nitrogênio (NOₓ) e material particulado (PM2.5), com efeitos diretos sobre a saúde respiratória da população.
- Contaminação do solo por resíduos industriais e vazamentos de combustíveis.
- Ruído excessivo, prejudicial à fauna marinha e terrestre, especialmente mamíferos que dependem da comunicação sonora, como golfinhos.
3. Efeitos Regionais e Intermunicipais
As correntes marítimas, como a Corrente do Brasil e a Corrente das Malvinas, podem transportar poluentes oriundos da operação portuária para os municípios vizinhos — como Torres, Capão da Canoa, Imbé, Tramandaí, Cidreira e Xangri-Lá — comprometendo a qualidade da água, a biodiversidade marinha e o turismo.
Além disso, há risco de:
- Erosão costeira regional, com modificação da linha de costa.
- Comprometimento da pesca artesanal colaborativa, notadamente na foz do rio Tramandaí, uma das principais atividades econômicas e culturais da região.
- Danos à saúde pública, decorrentes de contaminação do ar, água e alimentos marinhos.
4. Riscos Viários e à Segurança
A Rota do Sol (ERS-486), que conecta a Serra Gaúcha ao litoral, possui um trecho crítico com elevação de 750 metros em apenas 11 km, curvas acentuadas e túneis. O aumento no fluxo de caminhões devido ao porto eleva significativamente o risco de acidentes rodoviários, afetando não apenas a logística, mas também a segurança dos moradores e turistas.
5. Comparações com Outros Portos
Experiências nacionais e internacionais evidenciam que portos de grande porte são fontes contínuas de degradação ambiental:
- Porto de Santos (SP): poluição atmosférica, sonora e hídrica, desmatamento e aumento de doenças respiratórias nas comunidades vizinhas.
- Porto de Rio Grande (RS): problemas de erosão costeira, dragagem excessiva e vulnerabilidade a eventos climáticos extremos.
- Porto de Rotterdam (Holanda) e Porto de Los Angeles (EUA): enfrentam sérios desafios com emissões, ruídos e perda de biodiversidade, mesmo com avançadas tecnologias de mitigação.
6. Marco Legal e Participação Pública
O projeto está sujeito a um conjunto rigoroso de normas ambientais e de transparência pública:
- Lei 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente): exige a realização de Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA).
- Lei Complementar 140/2011: define a competência do licenciamento ambiental e impõe a realização de audiências públicas.
- Art. 225 da Constituição Federal: garante o direito ao meio ambiente equilibrado e impõe ao poder público e à coletividade o dever de preservá-lo.
- Lei de Acesso à Informação (12.527/2011): assegura o direito à transparência de dados sobre empreendimento com potencial impacto ambiental.
Até o momento, a comunidade local e os municípios vizinhos relatam ausência de diálogo efetivo, sendo essencial que o processo de licenciamento ocorra com ampla divulgação, participação popular qualificada e escuta ativa de entidades técnicas e científicas, como o CECLIMAR/UFRGS e o Movimento de Defesa do Litoral Norte (MOVLN).
7. Medidas Necessárias
Diante da gravidade dos impactos previstos, recomenda-se:
- Suspensão de qualquer avanço administrativo antes da apresentação e análise pública do EIA-RIMA.
- Realização de audiências públicas regionais, envolvendo todos os municípios do Litoral Norte.
- Criação de um comitê técnico-científico interinstitucional para acompanhar os estudos ambientais.
- Avaliação de alternativas logísticas menos impactantes, inclusive portos já existentes com capacidade ociosa.
Conclusão
A instalação do Porto Meridional em Arroio do Sal, sem o devido rigor técnico e ambiental, representa uma ameaça real à sustentabilidade ecológica, à saúde pública e à integridade dos ecossistemas do Litoral Norte gaúcho. O desenvolvimento econômico não pode ser dissociado da proteção ambiental e do respeito às comunidades costeiras. É dever das autoridades e da sociedade garantir que os princípios constitucionais da precaução, prevenção e participação sejam plenamente respeitados.
ResponderEncaminhar |
Como esta obra está sendo proposta sem a consulta à comunidade que será afetada, desrespeitando as comunidades costeiras, certamente ocorrerá o que segue:
ResponderExcluirFalta de rigor técnico, ambiental, ecológico, preocupação com a saúde pública e sem preocupação com os ecossistemas do Litoral Norte!
E o dever dos prefeitos do litoral norte em garantir à sociedade os princípios constitucionais da precaução, prevenção e participação sejam plenamente respeitados?
Acham que eles estão preocupados?