A HISTÓRIA NÃO PERDOARÁ A NEGLIGÊNCIA

 Advertência Técnica: Riscos Irreversíveis na Construção de Pontes Estaiadas na Barra Artificial do Canal da Laguna de Tramandaí

ATHOS STERN
Engenheiro, professor aposentado da UFRGS
Consultor da Associação Comunitária de Imbé-Braço Morto

Dirigimo-nos publicamente ao prefeito de Imbé/RS e à sua equipe de engenharia para adverti-los, com base técnica sólida e respaldo científico internacional, sobre os riscos e erros graves associados à proposta de construção de duas pontes estaiadas sobre a barra artificial do canal de ligação entre a Laguna de Tramandaí e o Oceano Atlântico.

Trata-se de uma intervenção inadequada e temerária, situada em área altamente sensível e vulnerável à elevação do nível do mar, projetada para agravar os problemas ambientais, urbanísticos e socioeconômicos da região. É inaceitável que os responsáveis por essa obra aleguem, futuramente, desconhecimento das implicações. Esta advertência serve como prova inequívoca de que foram alertados.


1. Ignorar a Crise Climática é uma Imprudência Técnica

Segundo os mais recentes relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o nível médio do mar pode subir entre 0,44 m e 1,01 m até 2100, podendo atingir até 2 metros em cenários extremos. Em 2024, o nível do mar já subiu 0,59 cm em um único ano, ultrapassando as previsões anteriores.

O principal fator dessa elevação é a expansão térmica dos oceanos causada pelo aquecimento global, intensificado por eventos como o El Niño. Desde 1993, o mar já avançou cerca de 10 cm — e o ritmo de elevação só acelera. A NASA confirmou 2024 como o ano mais quente da história, com impactos diretos sobre os oceanos e regiões costeiras.

Cidades costeiras do Brasil, como Santos e Rio de Janeiro, já estão em estado de alerta. Imbé e Tramandaí, com sua infraestrutura situada praticamente ao nível do mar, seguem na contramão da adaptação climática.


2. O Projeto das Pontes Estaiadas é um Risco Anunciado

A construção prevista para iniciar ainda este ano ignora completamente as exigências mínimas de resiliência climática e planejamento urbano sustentável.

Principais problemas:

  • Localização Crítica: A área da barra artificial está situada em planície costeira com altitudes médias inferiores a 1 metro. Com a elevação projetada do nível do mar, os acessos às pontes ficarão inundados ou inoperantes já nas próximas décadas.
  • Infraestrutura Urbana Incompatível: As ruas de acesso às pontes são estreitas e mal dimensionadas, comprometendo a mobilidade e agravando os congestionamentos, sem resolver o trânsito entre os municípios.
  • Impactos Imobiliários e Sociais: A implantação atravessa quadras urbanas consolidadas, exigindo indenizações e afetando diretamente moradores, com danos ao valor das propriedades e à qualidade de vida.

3. Impactos Ambientais e Ecológicos Irreversíveis

  • Qualidade do Ar e Poluição Sonora: O aumento do tráfego motorizado trará emissões de poluentes, ruídos e vibrações excessivas, afetando áreas residenciais e a pesca artesanal.
  • Danos à Vida Silvestre: Haverá alteração nos habitats aquáticos e interferência direta sobre a fauna local, inclusive os botos-cinza (Tursiops gephyreus), espécie-chave ameaçada, que habita a barra do canal.
  • Interferência na Navegação: As pontes podem obstruir ou limitar o tráfego de embarcações pesqueiras e de lazer, com impactos econômicos para a região.

4. A Falácia dos Estudos Urbanísticos Existentes

A alegação de que os Estudos de Viabilidade Urbanística (EVU) e os zoneamentos municipais não apresentam impedimentos é tecnicamente inválida. Tais estudos não consideram os cenários climáticos atuais e futuros, tampouco utilizam critérios de risco hidrológico e marinho atualizados.

Os países mais avançados do mundo já estão projetando infraestrutura adaptada às mudanças do clima. No Brasil, temos a obrigação de fazer o mesmo — especialmente em áreas tão expostas quanto a foz do rio Tramandaí.


5. Recomendações Técnicas Urgentes

  • Suspensão imediata do cronograma das obras, até que sejam realizados:
    • Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)
    • Avaliação de Risco Climático e Hidrológico
    • Redimensionamento dos projetos considerando elevação mínima de 1 metro do nível do mar até 2100
  • Incorporação de parâmetros de adaptação climática: cotas de acesso elevadas, margens de segurança, alternativas viárias em áreas menos vulneráveis.

Conclusão: A História Não Perdoará a Negligência

O município de Imbé, ao insistir na construção dessas pontes sem incorporar as evidências científicas disponíveis, caminha rumo a uma catástrofe anunciada.

Este documento registra, de forma pública, técnica e fundamentada, a advertência de que esta obra comprometerá não só o erário público, como também a integridade urbana, ambiental e social da região.

Prefeito, secretários, engenheiros e demais responsáveis: não haverá desculpa futura possível diante da clareza dos riscos aqui expostos.

A infraestrutura pública costeira deve ser projetada para durar décadas ou séculos — não para se tornar obsoleta por omissão técnica diante de riscos amplamente conhecidos.

 

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