A LUTA DO LITORAL NORTE CONTRA UM DESASTRE AMBIENTAL
ATHOS STERN
Engenheiro, professor aposentado da Ufrgs
Consultor da Associação Comunitária de Imbé - Braço Morto
A população do Litoral Norte do Rio Grande do Sul mobiliza-se para impedir um desastre ambiental sem precedentes no Estuário do Rio Tramandaí e no sistema lagunar costeiro, patrimônio nacional protegido pelo art. 225, §4º da Constituição Federal.
Principais pontos de preocupação
Lançamento de efluentes parcialmente tratados pela CORSAN/AEGEA, oriundos de Capão da Canoa e Xangri-Lá, por meio de um emissário de 21 km, contendo substâncias danosas como fósforo, nitrogênio, resíduos químicos, vírus, bactérias, hormônios, antibióticos e microplásticos.
Risco elevado de eutrofização: excesso de nutrientes pode gerar florações tóxicas de cianobactérias, como já ocorreu na Lagoa dos Barros (ETE de Osório), provocando mortandade de peixes e comprometendo a qualidade da água.
Contaminação microbiológica: organismos resistentes ao tratamento ameaçam a saúde pública e a balneabilidade das praias.
Perda de biodiversidade e risco cultural: degradação atinge aves, anfíbios, peixes e compromete atividades tradicionais como a pesca artesanal colaborativa com os botos.
Violação das próprias Diretrizes Ambientais da FEPAM (2000), que expressamente proíbem o lançamento de efluentes no sistema lagunar.
Ausência de Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e de audiências públicas, em descumprimento à legislação e ao princípio da precaução.
Alternativa ignorada: a construção de um emissário submarino, solução tecnicamente viável, de menor risco ambiental e já estudada.
Risco direto à segurança hídrica e à saúde pública: o Rio Tramandaí abastece 17 municípios da bacia hidrográfica, onde vivem comunidades indígenas, quilombolas, pescadores e milhares de moradores e veranistas.
Situação judicial
Duas Ações Civis Públicas (1996 e 2021) contra Capão da Canoa e Xangri-Lá resultaram em acordos judiciais, mas sem ouvir os demais 16 municípios da bacia e populações tradicionais diretamente impactadas.
Em fevereiro de 2025, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público Estadual (MPRS) ingressaram com nova Ação Civil Pública na 9ª Vara Federal de Porto Alegre, requerendo a anulação da Licença Prévia de Instalação e Alteração (LPIA nº 408/2023) concedida pela FEPAM.
Essa ACP exige:
Elaboração de EIA/RIMA com participação popular;
Consulta obrigatória às comunidades indígenas, quilombolas, pescadores, ribeirinhos e municípios afetados;
Atuação da ANA, FUNAI e Comitê da Bacia do Tramandaí no processo;
Fiscalização em tempo real dos efluentes lançados, com paralisação imediata em caso de inconformidades.
Movimentos sociais e sociedade civil
A ACIBM – Associação Comunitária de Imbé-Braço Morto, fundada há 40 anos, obteve ingresso como litisconsorte ativa nas ações, representando comunidades locais.
O MOVLN/RS, apoiado por diversas entidades, pesquisadores e cidadãos, articula-se para garantir que o direito constitucional ao meio ambiente equilibrado seja respeitado.
Conclusão
O caso evidencia graves irregularidades no licenciamento ambiental da FEPAM, afrontando normas constitucionais e princípios basilares do Direito Ambiental, como a precaução e a prevenção.
O lançamento de esgoto tratado no sistema lagunar do Tramandaí não representa saneamento, mas transferência de poluição para ecossistemas naturais, com alto custo ambiental, social, econômico e cultural.
É urgente que sejam suspensas as autorizações concedidas, determinado o EIA/RIMA independente e reaberta a discussão pública sobre alternativas sustentáveis — em especial o emissário submarino. Só assim será possível proteger o patrimônio nacional que é a Zona Costeira e o sistema lagunar do Litoral Norte.
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