EDIFÍCIO EM APP E DUPLICAÇÃO DE AVENIDA CONTESTADOS NO MP

 


Em fevereiro de 2020, moradores e veranistas protestaram contra a construção de um edifício de 15 andares em Área de Preservação Permanente (APP)


O engenheiro e professor aposentado da Ufgrs Athos Stern enviou representação por danos ambientais e urbanísticos ao Ministério Público de Tramandaí, solicitando a verificação da legalidade de duas obras localizadas em Área de Preservação Permanente (APP) não consolidada. Se o MP confirmar a ilegalidade, pede a demolição do edifício de 15 andares localizado na avenida Nilza Godoy e paralização da duplicação da avenida, que se encontra em obras.

Stern, ex-presidente e consultor da Associação Comunitária de Imbé-Braço Morto, argumenta, na petição:

" Foi autorizado e iniciado empreendimento imobiliário de 15 pavimentos em área contígua ao Rio Tramandaí, que é classificada como Área de Preservação Permanente (APP) pelo art. 4º, inciso I, do Código Florestal e pela Resolução CONAMA nº 303/2002.

2.     Segundo informação oficial da Prefeitura de Imbé, trata-se de APP não consolidada, pois não havia ocupação regular anterior a 22/07/2008 (marco temporal definido no art. 61-A da Lei nº 12.651/2012). Nessas condições, qualquer edificação é vedada, sob pena de nulidade do licenciamento e responsabilização dos agentes envolvidos.

3.     No mesmo contexto, a Prefeitura iniciou a duplicação da Avenida Nilza Costa Godoy, obra que ocupa área marginal ao Rio Tramandaí, igualmente em APP, sem Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)Relatório de Impacto Ambiental ou licenciamento junto ao órgão ambiental competente, afrontando os princípios da prevenção e precaução.

4.     Tais empreendimentos acarretam supressão de vegetação nativaimpermeabilização do solointerrupção da drenagem naturalaumento da suscetibilidade a enchentes e alagamentos e descaracterização da função ecológica da APP, que é essencial para:

o   a recarga do lençol freático,

o   a filtragem de sedimentos,

o   a contenção de processos erosivos,

o   a proteção da fauna e flora ribeirinhas,

o   e a regulação microclimática urbana.

5.     A ocupação indevida de APP em Imbé/RS, por sua natureza geográfica e hidrológica, aumenta significativamente os riscos de inundações, especialmente em eventos de cheias do Rio Tramandaí, fenômeno já recorrente e intensificado pelas mudanças climáticas.


II – FUNDAMENTAÇÃO TÉCNICA HIDROLÓGICA E URBANÍSTICA

  • Impermeabilização do solo: a substituição de áreas permeáveis por concreto e edificações reduz a infiltração, aumenta o escoamento superficial e sobrecarrega os sistemas de drenagem, elevando o risco de alagamentos em períodos de chuvas intensas.
  • Efeito cumulativo e sinérgico: a construção de grandes empreendimentos em áreas frágeis, somada à duplicação de vias marginais, cria um processo de fragmentação ambiental, dificultando a manutenção da conectividade ecológica e ampliando o risco de colapsos no sistema de drenagem urbana.
  • Alteração do microclima urbano: a verticalização em áreas litorâneas e ribeirinhas provoca ilha de calor, aumento da temperatura local e piora da qualidade ambiental, impactando diretamente a saúde e bem-estar da população.
  • Violação urbanística: a ocupação de APP não apenas contraria a legislação ambiental, mas também os princípios do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que determinam a função social da propriedade e do planejamento urbano sustentável.

III – DA JURISPRUDÊNCIA

O Poder Judiciário tem reiteradamente reconhecido a nulidade de licenciamentos em APP não consolidada e determinado a remoção de construções irregulares. Exemplos:

  • STJ, AgInt no REsp 1.797.175/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 17/12/2019:
    “É vedada a ocupação de APP em área não consolidada, sendo inviável a regularização de construções erigidas após 22/07/2008, por afronta direta ao Código Florestal e ao princípio da prevenção ambiental.”
  • STJ, REsp 1.365.364/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 26/08/2013:
    “A ocupação irregular de APP implica nulidade do ato administrativo de licenciamento e não gera direito adquirido à manutenção da obra.”
  • STF, RE 654.833/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 08/04/2021:
    “A proteção das áreas de preservação permanente é expressão do princípio da vedação ao retrocesso ambiental, não sendo possível sua flexibilização em afronta à Constituição.”
  • TRF4, AC 5004834-90.2016.4.04.7205, Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva, julgado em 07/06/2018:
    “A construção em APP não consolidada, mesmo que autorizada por município, é ilegal e sujeita à demolição, prevalecendo a legislação federal sobre normas municipais permissivas.”

Esses precedentes reforçam a impossibilidade de manutenção de empreendimentos em APP não consolidada, impondo a demolição e recomposição ambiental.


IV – DO DIREITO

Amparam a presente representação:

  • Constituição Federal, art. 225, caput e §1º, incisos I e III;
  • Código Florestal (Lei nº 12.651/2012, arts. 3º, II; 4º; 7º e 61-A);
  • Resolução CONAMA nº 303/2002;
  • Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública);
  • Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001, arts. 2º e 39).

V – DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer-se a este Ministério Público Estadual:

1.     A instauração de Inquérito Civil para apuração da legalidade da construção do edifício e da duplicação da Avenida Nilza Costa Godoy em APP não consolidada, no Município de Imbé/RS;

2.     A requisição de todos os documentos relativos ao licenciamento, alvarás e pareceres técnicos que embasaram as aprovações municipais;

3.     A análise da nulidade dos atos administrativos que autorizaram as obras, por afronta à legislação ambiental e urbanística;

4.     A responsabilização civil, administrativa e criminal dos empreendedores, técnicos e agentes públicos envolvidos;

5.     A adoção de medidas liminares para embargo imediato das obras, evitando a consolidação dos danos ambientais;

6.     A determinação da recomposição da APP, com demolição de construções irregulares e restauração ambiental da área degradada.


VI – DO ENCERRAMENTO

Diante da gravidade do caso, da flagrante ilegalidade e do risco de danos irreversíveis ao Rio Tramandaí e à coletividade de Imbé/RS, confio na pronta atuação deste Ministério Público Estadual, em defesa do meio ambiente e da ordem urbanística, nos termos do art. 225 da Constituição."


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