PORTO DE ARROIO DO SAL: SOLUÇÃO OU DESASTRE ANUNCIADO?
À primeira vista, construir um terminal marítimo no litoral norte do Rio Grande do Sul parece uma ideia genial: para embarcar as cargas basta descer a Rota do Sol até Arroio do Sal, centenas de quilômetros mais próximo que Rio Grande. Empresários dos municípios da Serra, entusiasmados com a economia que farão para exportar seus produtos, e os políticos, de olho nos ganhos eleitorais, estão, até agora, cegos para as consequências ambientais e sociais que a obra causará.
O estudo abaixo, meticuloso e essencialmente técnico, é uma ferramenta valiosa para que se possa avaliar com clareza os vários aspectos de uma obra tão complexa.
RELATÓRIO CRÍTICO SOBRE O EIA/RIMA DO TERMINAL PORTUÁRIO MERIDIONAL – ARROIO DO SAL/RS
ATHOS STERN
Engenheiro, professor aposentado da Ufrgs
Ex-presidente e consultor da Associação Comunitária de Imbé - Braço Morto. Introdução
O presente parecer técnico tem como objetivo avaliar, sob a ótica ambiental, social e econômica, a proposta de instalação do denominado Terminal Portuário Meridional, projetado para o município de Arroio do Sal/RS. O estudo do empreendimento, materializado no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA/EIA), foi formalmente rejeitado pelo IBAMA, por não atender aos requisitos legais, técnicos e científicos mínimos que fundamentariam a viabilidade ambiental de um projeto de grande porte como este.
A rejeição pelo órgão licenciador máximo evidencia que o EIA/RIMA apresentou graves falhas metodológicas, inconsistências de dados, omissões relevantes e ausência de alternativas locacionais adequadas, comprometendo a análise da viabilidade do empreendimento.
Diante disso, este documento busca sistematizar, de maneira rigorosa, os motivos ambientais, sociais e econômicos que demonstram a inviabilidade definitiva do projeto, reforçando a decisão de rejeição já emitida pelo IBAMA.
2. Deficiências estruturais do EIA/RIMA
O RIMA/EIA do Porto Meridional apresenta falhas que inviabilizam sua utilização como instrumento técnico de avaliação. Entre elas:
- Omissão de alternativas locacionais: o estudo não comparou adequadamente outros locais já estruturados para atividades portuárias no litoral sul-brasileiro, como Rio Grande/RS e Imbituba/SC.
- Ausência de estudos oceanográficos robustos: não foram apresentados dados confiáveis sobre correntes, dinâmica sedimentar e erosão costeira, indispensáveis para avaliar impactos sobre a linha de costa.
- Inconsistência hidrossedimentológica: não há comprovação técnica de que o canal de acesso seria operacionalmente viável e estável ao longo do tempo.
- Impactos não mensurados sobre comunidades tradicionais: populações locais, incluindo pescadores artesanais e atividades turísticas, não foram adequadamente consideradas.
- Carência de modelagens ambientais integradas: o estudo fragmentou a análise dos impactos, omitindo efeitos cumulativos e sinérgicos.
Essas deficiências configuram não apenas fragilidade técnica, mas ilegalidade procedimental, pois a legislação ambiental brasileira (Resolução CONAMA nº 01/1986, Resolução CONAMA nº 237/1997 e Lei nº 6.938/1981) exige a análise adequada e completa de alternativas, impactos cumulativos e viabilidade locacional.
3. Impactos ambientais permanentes previstos
A instalação de um porto de grande porte em Arroio do Sal traria danos irreversíveis aos ecossistemas costeiros e marinhos, entre os quais destacam-se:
- Erosão costeira agravada e alteração da dinâmica sedimentar, com risco de colapso de praias turísticas regionais.
- Perda de habitats marinhos em áreas de elevada biodiversidade, especialmente recifes, bancos de areia e zonas de reprodução de espécies de interesse pesqueiro.
- Poluição hídrica crônica, decorrente do aumento no tráfego marítimo, vazamento de óleos e descargas operacionais.
- Risco permanente de acidentes ambientais, incluindo derramamentos de combustíveis e substâncias químicas perigosas.
- Supressão de vegetação nativa em áreas de restinga e dunas, ecossistemas considerados de preservação permanente.
Esses impactos não seriam mitigáveis em sua totalidade e configuram danos permanentes ao equilíbrio ecológico da região, afrontando diretamente os princípios constitucionais da função socioambiental da propriedade (art. 225 da Constituição Federal) e o princípio da precaução.
4. Inadequação socioeconômica
Sob o ponto de vista social e econômico, o empreendimento também se mostra inadequado:
- Conflito direto com a vocação turística da região, que depende da manutenção da qualidade ambiental de suas praias.
- Risco de exclusão de comunidades tradicionais, especialmente pescadores artesanais, que teriam seu espaço de trabalho impactado ou inviabilizado.
- Ausência de infraestrutura viária adequada, dado que a Rota do Sol e demais rodovias da região não comportam o fluxo logístico de cargas pesadas.
- Concentração de benefícios em atores privados, sem comprovação de externalidades positivas para o desenvolvimento regional equilibrado.
5. Inviabilidade econômica e financeira do Porto Meridional
Além das falhas ambientais e sociais, o empreendimento demonstra-se economicamente inviável, o que reforça sua inadequação como política pública ou iniciativa privada.
1. Custo de implantação e manutenção desproporcional: investimento estimado acima de R$ 6 bilhões, sem fontes de financiamento claras e sem investidores privados confirmados.
2. Ausência de competitividade logística: incapacidade de competir com portos já consolidados (Rio Grande e Imbituba), que possuem infraestrutura pronta e capacidade ociosa.
3. Demanda artificial e concentrada: inexistência de estudos confiáveis de mercado que demonstrem fluxo de cargas suficiente.
4. Dependência de rodovias turísticas: inviabilidade logística por falta de ferrovias ou retroáreas intermodais.
5. Esvaziamento de portos existentes: risco de deslocamento de cargas já atendidas, gerando competição predatória e ineficiência sistêmica.
6. Baixo retorno sobre investimento (ROI): combinação de custos elevados e baixa atratividade para o capital privado.
Conclusão parcial: O Porto Meridional constitui um projeto de risco elevado, com inviabilidade econômica estrutural, ausência de sustentabilidade financeira e falta de atratividade para investidores.
6. Conclusão geral
Diante do exposto, conclui-se que o Terminal Portuário Meridional é inviável sob todos os aspectos analisados:
- Ambiental: danos irreversíveis aos ecossistemas costeiros e marinhos;
- Social: prejuízo à pesca artesanal e ao turismo, bases econômicas regionais;
- Econômico: inviabilidade financeira, ausência de competitividade logística e retorno insuficiente;
- Jurídico: descumprimento de normas legais e constitucionais de proteção ambiental.
A decisão de rejeição do EIA/RIMA pelo IBAMA encontra amparo pleno em fundamentos técnicos, científicos e jurídicos. A eventual retomada desse projeto representaria não apenas um retrocesso ambiental, mas também um grave erro de planejamento econômico, contrariando o interesse público e os princípios constitucionais da precaução, prevenção, eficiência e função socioambiental do desenvolvimento.
Parabéns a todos os que lutaram para esta vitória! A natureza agradece.
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